Proença de Carvalho, presidente da Controlinveste Conteúdos SA (dona, entre outros meios, do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias) acusa o juiz Carlos Alexandre, no âmbito da prisão do ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, de ser o “super juiz dos tablóides”. Saberá, com certeza do que fala, sobretudo em matéria de tablóides.
Por Orlando Castro
I mporta, entretanto, recordar que esse mesmo juiz, Carlos Alexandre, defendeu no dia 27 de Março de2009 que o combate à corrupção em Portugal só teria sucesso se os arguidos pudessem ser confrontados no julgamento com os depoimentos que prestaram em inquérito.
E anda Portugal, ou uma parte dele, preocupado em falar da corrupção em África, nomeadamente em Angola! Se calhar os mestres angolanos desta matéria ainda têm muito que aprender com os portugueses.
O actual Código do Processo Penal português determina que os arguidos terão que dar o seu acordo para serem confrontados com declarações prestadas em fase de inquérito, uma situação que se arrasta desde a revisão do código em 1987.
Não seria mais fácil seguir o exemplo de Angola e pura e simplesmente dizer que não há corrupção, mas apenas alguns pequenos desvios à lei? Se calhar é essa a tese de Proença de Carvalho quando considera que, até prova em contrário, o juiz é… culpado.
“A minha experiência diz-me que sem alterações de fundo em matéria de valoração dos depoimentos prestados em inquérito, tarde ou nunca o combate à corrupção logrará sucesso visível”, afirmou o juiz.
Ficamos todos a saber que, como em Angola, se as coisas continuarem como estão “tarde ou nunca o combate à corrupção logrará sucesso visível”. Quando aparece algum sucesso visível, aqui-d’el-rei que isto é tudo uma bandalheira, uma injustiça, uma palhaçada.
E, como se aplica noutras coisas, se os não podemos vencer, que tal juntarmo-nos a eles?
O magistrado – que na altura já tinha a seu cargo grandes casos de alegada criminalidade económico-financeira como o Freeport, Portucale e BPN – falava no Porto, no simpósio “A Economia da Corrupção nas sociedades desenvolvidas contemporâneas”, organizado pelo Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE).
Secundando uma tese defendida no mesmo simpósio pela directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, Carlos Alexandre afirmou que “uma alteração no catálogo que comportasse uma alteração do ónus de prova em matéria de crimes de corrupção também ajudaria muito”.
“Quiçá através da criação de um crime de enriquecimento ilícito ou sem causa”, completou.
Carlos Alexandre criticou o “acentuado pendor garantístico” da lei face aos suspeitos de “enriquecimentos súbitos” e lamentou a “diminuta” cultura de denúncia dos casos de corrupção.
Aí está. E foi também essa diminuta cultura de denúncia que os portugueses ensinaram aos povos que colonizaram. Isto, é claro, para além de todo um vasto leque da manigâncias que fazem da corrupção uma forma de estar. Eventualmente, citando Proença de Carvalho, uma cultura tablóide.
Carlos Alexandre recordou mesmo que, enquanto juiz de julgamento, “nunca” foi chamado a decidir um caso de corrupção. É evidente. Só se julga o que há. É exactamente por isso que em Portugal não há julgamentos paradigmáticos sobre corrupção.
O magistrado defendeu a denúncia anónima dos corruptos, “bastante necessária nos tempos que vão correndo”, queixou-se das restrições a escutas telefónicas e a buscas, lembrou dificuldades em quebra do sigilo bancário, recolha de som e imagem, demoras na resposta a cartas rogatórias, bem como do envolvimento nas investigações de agentes encobertos na investigação.
Não está fácil, não senhor. Denunciar a corrupção pode ser inclusive meio caminho andado para uma imensidão de problemas que, bem vistas as coisas, não compensam.
Mais fácil, e rentável, é com certeza denunciar juízes dos tablóides…